Terça-feira, 19 de Março de 2024
A valorização da criança e os sentimentos a ela atribuídos nem sempre existiram da forma como vimos hoje. As mudanças econômicas e políticas da estrutura social influenciaram fortemente a formação de nossos pequenos e sua atuação na sociedade.
Na Idade Média a criança era considerada um pequeno adulto, e sequer existiam trajes especiais que a diferenciassem.
Na Idade Moderna, com a Revolução Industrial e o Iluminismo, foram percebidas as primeiras modificações sociais e intelectuais significativas nesse campo, alterando-se a visão que se tinha da criança. Se na sociedade feudal ela começava a trabalhar como adulto logo que passava a faixa da mortalidade, na sociedade burguesa começou a ser alguém que precisa ser valorizado, cuidado, escolarizado e preparado para uma atuação futura.
Atualmente, com o desenvolvimento da psicologia e com os estudos cada vez mais segmentados na área de marketing, criou-se um cenário muito favorável à compreensão do comportamento do consumidor infantil, bem como do aumento do consumo, tanto pelos pequenos quanto por seus pais.
Hoje é sabido pelos marketeiros que as crianças formam um grupo especialmente suscetível às influências externas, ao comportamento dos pais, à comunicação das empresas e às mensagens passadas via televisão, internet, revistas e outdoors. Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), do censo de 2000, crianças de 0 a 14 anos representam mais de 50 milhões de brasileiros, quase 30% da população do país. E 78% desses consumidores mirins vivem nas cidades, próximos aos bens de consumo industrializados.
Segundo dados da Abrinq (Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos), foram criados cerca de 6.700 novos brinquedos por ano entre 2006 e 2009, dos quais 1.300 foram efetivamente lançados em cada ano, em média. Só no setor de brinquedos, o mercado mundial calculou que em 2009 as vendas somaram 74 bilhões de dólares. E as crianças são consumidoras também de outras classes de produtos, como alimentos e vestuário, além de serviços especializados como bufês e escolas de esportes e dança.
No Brasil, a cifra final que representa o tamanho do mercado infantil é da ordem de 50 bilhões de dólares por ano. Este número demonstra a importância da criança no contexto econômico, sem contar o potencial que ela representa.
Segundo especialistas, o processo de compra da criança passa por três etapas, associadas às faixas de idade: a) De 0 a 2 anos dá-se a fase da Observação: a criança descobre as compras acompanhada pelos pais, sem distinguir as marcas dos produtos; b) A fase da Indagação ocorre dos 3 aos 5 anos: é o momento do “eu quero”, em que a criança inicia a manifestação de seus desejos de compra e faz solicitações aos pais, já sendo capaz de reconhecer marcas e embalagens e localizar produtos em prateleiras; c) Dos 6 aos 12 anos ocorre a Racionalização: ela passa a imitar os pais, a executar compras sozinha ou com amigos.
Começa a ter noção de valor (dinheiro), de tomadas de decisões (escolhas), de integração com o ambiente (saber andar sozinho) e de comunicação (relacionamento com outras pessoas, como os vendedores). Quando o consumidor infantil começa a participar mais ativamente do processo de compra, ele passa a representar para o marketing o “consumidor 3 em 1”: o consumidor atual, o promotor de consumo familiar e o futuro adulto consumidor.
Compreender a motivação do consumo infantil, no entanto, representa um dos maiores desafios para publicitários, marketeiros, fabricantes e comerciantes.
Se partirmos do pressuposto de que os adultos compram sem estar plenamente conscientes de seus motivos, isto é ainda mais complicado na criança, que tem um conhecimento sobre o mundo e sobre si mesma muito menos desenvolvido. Mesmo quando ela sabe quais são suas necessidades, é bem difícil usar a abordagem certa para extrair essa informação, e mais complexo ainda fazê-la expressar corretamente.
Os estudos dos motivos latentes (não manifestos) são um primeiro passo. Um exemplo é a ocasião em que o filho pede um produto aos pais não por sua própria utilidade, mas como prova de atenção e carinho. Nesse contexto, é imprescindível considerar a propaganda e o marketing, tão presentes na sociedade consumista, como grandes influenciadores do comportamento.
Assim, torna-se primordial aos profissionais dessas áreas (aqui se incluem também arquitetos e decoradores, responsáveis pela montagem dos espaços comerciais) constante aprimoramento e muita responsabilidade no exercício de suas tarefas.
A ética é prejudicada quando são usados artifícios comerciais que apelam para aspectos inconscientes do indivíduo (as chamadas "mensagens subliminares"), ou quando se apela a mensagens que não estão claras, mas implícitas em determinadas situações ou produtos (por exemplo, mensagens de cunho político, religioso, sexual ou racial).
Deve-se atentar também para o chamado nag factor: é aquele efeito gerado pela publicidade de levar a criança a insistir muito com os pais para que comprem determinado produto, de modo que se não quiserem – ou não puderem mesmo – atender ao pedido passarão a ser vilões. Se o pai de um coleguinha compra o produto então, a situação se agrava ainda mais. Outro exemplo antiético grave é quanto ao uso de efeitos especiais para mostrar que o produto – normalmente brinquedo – faz algo que na verdade só existe na ficção. Até uma certa idade as crianças não conseguem distinguir entre ficção e realidade (ainda mais se exibida na televisão).
Saudável e indicado é que o mercado contribua com o universo infantil oferecendo produtos e serviços que possibilitem o desenvolvimento das crianças e jovens, sem que haja comprometimento do livre-arbítrio deles. Cabe aos pais ficarem vigilantes quanto às reais necessidades dos seus filhos e as suas próprias, sempre atentos ao modo como o mercado comunica suas ofertas.
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